domingo, 5 de março de 2006

A escolar


Ela velha na sua cara, nos seus traços marcados, no cabelo a cada ano mais curto, na blusa decotada que nem bem mais lhe assenta, nos seios murchos, ela que não se reconhece, nem pensa, nem vê, e faz todo dia o mesmo, na mesma hora. Foi no ônibus, de manhã cedo, horário ingrato, em que trabalham os que só trabalham, sem tempo, pra vida também, nessa pressa dissimulada. O ônibus lotado, com gente que sempre se vê, e nem se conhece, mas se reconhece no dia a dia simples de todo dia.

Ela trabalha no meio deles, e também sua inveja por suas páginas bem escritas, que lê nos muitos minutos vagos entrecortados por burocracias, ela que é a filha legítima das letras, que chora e ri por palavras, e de manhã ainda perde tempo escolhendo a blusa num armário de poucos cabides, se perdeu por uma voz.

Palavras sem significados, incultas, por vezes gritadas, noutras sussurradas, entre o infantil e o adulto, o som doce ainda da alegria das crianças felizes, não das outras. Balançava no chacoalhar do ônibus veloz e se perguntava, me abandonou porque, por quem, a adolescência revisitada nessa voz de menina moça, de camisa colegial colada no primeiro sutiã, coberta por longos cabelos, cacheados, se crê ainda cheia de vida.

A outra ri também, enquanto ela não vê o seu sorriso, mas se delicia, com a voz, a blusa e a saia plissê em azul escuro, o uniforme. E foi ali, em frente a escola de muros caídos e tinta velha que a outra se foi, desceu ainda contente e estancou frente a barraca de cachorro quente aguardando o soar da sineta.

Nenhum comentário: