terça-feira, 15 de julho de 2008

A menina que levitava





A primeira vez que a sensação ameaçou florescer ela tinha ainda quinze anos, foi em meio às árvores do Jardim Botânico, enquanto andava na grama verde segura pela mão por um amor agora distante. Não apenas seu corpo finalizava detalhes, acentuando os traços do nariz e da testa, os seios delineavam derradeiros contornos, as mãos se formatavam nas futuras mãos de Luíza, era um protótipo último do que seria Luíza. O corpo se preparava para a noite de estréia, também a alma guardava dentro dela um espaço nebuloso do lugar do porvir, o nebuloso transmudando em constelações, em buracos negros. Pequenas premonições fremiam o corpo com uma certa regularidade, anunciavam o inusitado. De algum modo ela sabia que era diferente dos outros, mesmo porque eram todos assim tão diferentes entre si: sua mãe no mundo das pílulas coloridas para dormir, para acordar, para viver; seu pai às voltas com o mundo dos sonhos alegrando a casa, seus dois irmãos, gêmeos na disputa dos mesmos objetos, dos mesmos afetos. Ela crescendo e observando, observando e crescendo.

Demorou ainda alguns anos para que o esperado ocorresse, teve tempo de terminar o segundo grau e entrar na faculdade como era o sonho da mãe, cursava letras.

Agora, faz anos desde a primeira vez. Foi à noite na penumbra de um quarto numa cama emprestada. Uma quarta-feira chuvosa, dessas chuvas miúdas que prometem lembranças e dias e mais dias nublados. Entre sussurros Teresa pediu, abre as pernas neste instante ou morro de amores. Foi assim que Luiza prescindiu de dúvidas e pudores, pôs os pés para o alto e disse em bom tom como uma atriz de mil luzes, me chupa com vontade que de meias vontades estou farta. Foi assim que Teresa fechou os olhos e, pela primeira vez, sentiu entre pêlos o gosto salgado de uma moça. Foi assim que, pela primeira vez, Luiza sentiu o colchão a fugir do corpo, uma camada de ar sustentando-o teso, excitado, levitava a um palmo da cama a caminho do gozo.

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