terça-feira, 2 de setembro de 2008

Dos males da espera



Parecia que atrás de mim tinha alguém lendo um livro, ao meu lado filas imensas de cadeiras tanto para a direita quanto para a esquerda, à frente apenas duas filas de cadeiras plásticas azuis desconfortáveis, para trás eu não podia saber nem olhar já que tinha alguém bem ali, talvez sentado um pouco a minha direita, talvez de olho na minha nuca, ou quem sabe na cadeira à esquerda da cadeira atrás da minha. Pelo pouco que lembrava de há duas horas e meia atrás, no exato momento em que entrei na sala e escolhi entre as cadeiras vazias em qual me sentar, uma que não parecesse muito no canto, nem muito no centro, me parece que havia como umas vinte fileiras ainda atrás de mim. Mas não seria de bom tom olhar já dizia minha mãe, isso podia bem atacar os nervos caso o sujeito, no exato momento em que eu virasse o meu pescoço num ângulo de mais de noventa graus em sua direção, não estivesse lendo o livro e sim me encarando pelo simples fato de que eu não conseguia sossegar nessa cadeira, tanto pelo desconforto quanto pelas horas de espera. A minha perna direita, desde que me conheço por gente, tem essa mania estranha de ficar balançando ritmadamente e imagino que um desavisado, que por ventura ficasse observando esse frenético repetir de movimentos também pudesse ficar atacado dos nervos, e seríamos então, já duas pessoas com os nervos à flor da pele numa sala com não sei quantas cadeiras ocupadas. Uma pequena multidão ansiosa e com os nervos alterados. Nos dias de hoje, nos dias de ontem também embora se prefira o saudosismo lírico do passado, é sempre perigoso um grupo de pessoas juntas, numa situação desconfortável e entediante. Não trouxera um livro comigo e me restava senão contar o número de balanços da perna para passar o tempo, o que aumentava a velocidade do balanço até sentir uma dor insuportável na coxa que sustentava a perna suspensa, aí parava por alguns instantes, anotava o número de balançadas atrás do papel com o meu número de atendimento e descansava alguns minutos. Trezentos e vinte e quatro era o meu número. Neste intervalo lembrava da pessoa atrás de mim, que tinha consigo um livro e mesmo assim se ocupava em observar meus poucos cabelos brancos na nuca aquela altura da vida, eu era jovem ainda, mas eles apareceram cedo e não me glorificava nem um pouco saber que o sujeito os mirava, talvez até contasse o número de fios de cabelos brancos, entediado que poderia estar da leitura do seu livro. Trocava as pernas de posição, agora a que antes estivera por baixo por cima, e o balançar passava da direita para a esquerda ou vice versa. Se ao menos tivesse trazido comigo as algemas que minha mãe costuma usar em casa quando alguém não se comporta, poderia virar abruptamente e pegá-lo de surpresa, depois era só alegar um ataque dos nervos, tão comuns nos dias de hoje, embora nos dias de hoje deveria também contar com a possibilidade de que o sujeito embora lesse um livro, poderia ter consigo uma arma de fogo e aí o azar seria todo meu, se num ataque de nervos seus sobrassem miolos meus pela sala.

5 comentários:

Anônimo disse...

sintonia de espera

disse...

otimo blog! vou add ok?

estou aprendendo a esperar, e aprendendo a conviver com os males dessa espera.

abraço

Anônimo disse...

sensação de agonia, aperreio, peleja, abuso, desconforto, chatice etc. entendo bem.

beijos

p.s: é que demoro muito pra juntar nome à pessoa, ainda mais se são distantes do meu dia-a-dia. mas o que quero dizer é que ja sabia de vc, embora n tenha tido o prazer de ler "A livraria da esquina" é que tenho a dissertação da Lúcia Facco em que sua obra é uma das analizadas. Eu me interesso pelos temas, além do motivo óbvio, tb a literatura e uma visão antropologica da análise. estudava Ciências Sociais... hj n estudo mais nda... mas, deixa o verão pra mais tarde.

beijos

Buda Verde disse...

gostei muinto dos seu contos.
espero que os meus sejam do seu agrado.
vou linkar seu blog.

beijo

Cecil disse...

Visitar a espera é visitar um dos maiores desconfortos, não - digo, horrores - da alma humana... putz, grandes histórias que se escrevem (escreveram) para, sobre, pela, em espera...
E ouvindo essa Ute Lemper que está tocando no link da lastfm. Interessante...