terça-feira, 1 de agosto de 2006

Mireia


Sorriu com o canto do olho, tenho certeza de que sorriu foi o que Mireia me disse sentada no banco da praça naquela tarde, mas eu não tinha sorrido, nem piscado, nem falado, o que eu tinha feito era pensado, isso sim, pensado sozinha, com os dedos roçando um no outro dentro do bolso da calça, fazia alguns minutos que esquecera de Mireia e seus dilemas, ela monologando como sempre fazia, embora os meus ainda parecessem grandiosos. Ela certa de que eu sorrira de algo que nem ouvi, a tal conversa começou sobre o casamento que fomos outro dia, da sua prima, e eu preocupada com o telefonema, e ela preocupada com o noivo, agora marido da prima, que não prestava de jeito nenhum, mexia com teatro, o bolso da calça quase furado de tanto meter o dedo, e eu também tinha que arranjar um emprego porquê essa coisa de mexer com música pega bem pra adolescente ela dizia, mas o telefone soou três dias seguidos e eu não atendi, no mesmo horário, fiquei lá ouvindo e esperando o bip bip da secretária soar, porquê emprego hoje em dia está difícil e se a gente tinha a menor pretensão de um dia sair da casa dos pais e morar juntas continuava Miréia, mas hoje sim eu ia atender pois bem sei que qualquer coisa que aconteça três vezes seguidas não é acaso, eu estou contente trabalhando de vendedora e é provisório, mas você fazendo bico com música não pode ser mais, gostei muito, no começo, mas agora que vi a minha prima me assustei, eu não quero casar desse jeito, Mireia delirava, casar, casar, éramos duas mulheres, e foi no momento exato em que com o canto do olho olhei os ponteiros do meu relógio que ela pegou minha mexida de boca, foi uma mexida intrincada, faltava meia hora pro telefonema, fui me levantando e repuxei o lábio no canto, tinha que ir embora, e ela, de boca ainda aberta expelindo palavras, viu um sorriso maldoso.

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