sexta-feira, 20 de outubro de 2006

As consequências de uma barba ruiva


Quando olhou pra trás ele ainda estava lá, vira-o na quadra anterior ao atravessar a rua, chamaram a atenção as suíças longas, ela gostava desde sempre de longas suíças, do primeiro marido as cortava regularmente, esfuziante no começo, maquinalmente no final, bem antes do final sendo mais sincera consigo mesma, prometera isso em frente ao espelho logo pela manhã, ser sincera consigo mesma, mas agora as suíças desse homem mais novo haviam-lhe chamado a atenção, ruivas como é raro de ser ver, e como seriam as de seus filho assim que lhe surgissem pêlos na cara, carinhosa e meticulosamente aparadas pelas bondosas mãos de mãe elas seriam. Apressou o passo na direção oposta arremetendo-se cafeteria adentro, suada, como era ruim essa sensação de água a umedecer as axilas, e nessa blusa branca todos veriam as nódoas, poderia vestir o casaco aqui dentro pelo menos, sentou-se numa mesa perto da janela, as janelas de cafés traziam-lhe à lembrança viagens de trens e o marido de suíças ruivas quando novo, e as suíças do filho que despontavam num rosto imberbe, como era bom sentar-se sozinha, sentar-se sozinha num café logo pela manhã, a caminho das compras do dia, das obrigações do dia, e deixar que passasse por ela o ruivo desconhecido do marido e do filho.

2 comentários:

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Interessante...sugestivo...intrigante... teu mini-conto-interdito diz muito em poucas palavras...atiça a imaginação como as suíças ruivas inventadas, pintadas com pressa, nascidas de impuras memórias, medos ou desejos situados aquém e além do óbvio, tocando as bordas do invisível...

Anônimo disse...

Naomi, seus mini-contos estão cada dia melhores. Sou teu leitor assíduo. Beijos. Cleber.