quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Como abrir uma porta



Primeiro, com a mão no formato de concha, aproxima-a devagar da maçaneta, como quem está prestes a tocar em telhado de zinco ardido de sol. Os pés um pouco afastados um do outro, um mais à frente, o outro mais atrás, mantendo uma distância confortável da porta, dessas que deixam o ar entrar e sair das narinas com facilidade. O braço que sustenta a mão no alto, que tanto pode ser o esquerdo como o direito dependendo das preferências, não está de todo esticado evitando forçar a articulação do cotovelo, encontra-se contraído. Forma-se um ângulo de aproximadamente cento e cinquenta graus entre o antebraço e o braço, numa altura desde o solo um pouco menor que a da mão que quase toca o gélido metal da maçaneta. A mente reluta por um instante, entre escancarar ou não a porta. O corpo se inclina de modo imperceptível, aproxima os dedos que enrijecem na certeza do toque da maçaneta, a mão se acanha na presença da haste metálica e aprisiona-a com os dedos. Apenas o polegar solitário se estende preguiçoso ao longo. Uma simples virada de punho e ouvimos o clique. Um suspiro mudo responde à réstia de sol que cruza a fresta, uma fresta maior, bem maior, espia sobre a cama o corpo em cochilo pós-almoço.

6 comentários:

Adriano Queiroz disse...

Naomi postei o microconto-poema completo no meu blog.

Obrigado pela contribuição e inspiração.

Abraços.

Tonnever disse...

Meticulosamente metódica,metodicamente meticulosa...

Unknown disse...

Descritivismo fabuloso!

Gostei muito, muito mesmo!

beijos

-cogu-

Flávia disse...

A mente reluta entre escancarar ou não a porta... mas o coração e os olhos, esses já se escancaram inteiros lá dentro.

Beijos, moça :)

Cecil disse...

Uau! Esta belezoca de descrição poderia estar num manual zen-budista sobre estar consciente de tudo, de nossos movimentos, ações, experiências, de como estar sempre alerta. A posição das articulações, os movimentos dos delicados dedos, o suave clique, a brisa entre o corpo e a porta, o suspense do pequeno e revelador porvir de "abrir". Depois de um momento de meditação destes sobre abrir uma porta, o torque e a brisa e as narinas e o porvir,dá para pensar já em praticar artes marciais... :D !
Beijos mil dessa leitora assídua.

carol disse...

seu texto respira deliciosamente...
um beijo


www.fadasefool.blogspot.com